Mais uma vez correm abundantemente as lágrimas de crocodilo da classe política, dos media e do management. Desta vez o objecto de consternação é o estado de calamidade do ensino, como se ninguém fosse altamente responsável por isso. Mas tal "pensamento duplo", como George Orwell o descreveu na sua utopia negativa, é de qualquer modo necessário para poder suportar e exprimir enfaticamente as autocontradições, lamentando o modo de vida e de produção dominante, sem ter que declarar-se a si mesmo como doido.
Educação e ciência não são excepção. Por um lado a concorrência obriga à contínua inovação no uso dos conhecimentos científicos e das criações culturais; por outro lado, estes domínios constituem apenas "custos mortos", do ponto de vista da economia empresarial. Eles constituem um fundo de cujo conteúdo uma pessoa gostaria de servir-se no interesse da valorização do capital, mas pelo qual gostaria de pagar o mínimo possível. Na crise, quando até os lucros se evaporam, os rendimentos e a cobrança de impostos diminuem em paralelo e agrava-se esta contradição. Do jardim de infância ao instituto de pesquisa teórica, todo o sistema de educação, cultura, formação e ciência se arruina, exactamente como todos os outros domínios não directamente lucrativos. E quando as consequências do colapso se fazem sentir, retroagindo sobre a valorização, fica todo o mundo em ressaca e a exigir "mais esforço da educação".
Há muito que se impôs também na educação e ciência uma determinada lógica de administração da crise. Os Estados Unidos e a Grã-Bretanha foram pioneiros nesta orientação, porque foram os primeiros a executar todas as consequências da crise do capitalismo. Esta lógica integra dois elementos fortemente unidos um ao outro. O primeiro estabelece o postulado de uma "educação de elites". Educação e ciência devem ser alta e massivamente financiados "em cima", no resto pelo contrário devem ficar à míngua. É típico do novo espírito do tempo elogiar as escolas e universidades privadas pelos seus "altos talentos". A reivindicação de propinas pesadas pertence a esta linha, tal como a reivindicação de constituir universidades de elite ou a de voltar atrás na disponibilização do material escolar. À sobrelotação de escolas e universidades públicas corresponde um desempenho menos elevado. E espera-se colocar sob o mesmo chapéu reduções orçamentais drásticas e um ensino concorrencial.
O segundo elemento da administração de crise no âmbito da educação e ciência está na redução funcionalista, de acordo com critérios de possível valorização do capital. Estudos culturais, humanidades, ciências sociais, vistas como especializações em floreados, emagrecem até à invisibilidade; o mesmo acontece com a pesquisa teórica "sem objectivo" em ciências naturais. Pelo contrário, são unilateralmente fomentadas as "disciplinas valorizáveis" ou como tal consideradas: informática, engenharias, estudos de economia empresarial, etc. O ideal é o "cientista empresarial", a escola organizada sob o "ponto de visita da economia" ou o projecto científico administrado como uma empresa lucrativa. Para os estudantes a divisa é: Estudes tu o que estudares, é sempre economia empresarial.
Mas tal como em todos os outros domínios, também na educação nunca a contradição capitalista será bem administrada através da administração de crise restritiva e repressiva. A educação elitista unilateral assemelha-se a um cérebro de alto rendimento a que foi cortada a irrigação sanguínea. O filtro financeiro do acesso eleva aos lugares de comando os burros da classe alta arrivista, enquanto a massa dos talentos da sociedade definha ou se dedica (oxalá!) a objectivos subversivos. Donativos e sponsoring, bolsas de estudo e fundações, não podem substituir o sistema de educação em toda a sua extensão.
Ironicamente, acontece com a educação o mesmo que com a publicidade: só uma parte atinge o alvo, mas não se sabe qual é. Com a sujeição directa a critérios económico-empresariais, a lógica própria não económica da educação, ciência e cultura acaba por sufocar. Professores, biólogos, físicos, historiadores e sociólogos medíocres ou abaixo da média tornam-se hábito nas instituições de educação e ciência: é o melhor caminho para a desqualificação e abandalhamento continuado dos conteúdos. Quando em todo o lado já só restam vendedores em acção, já nada se consegue vender.
O sistemático apoio aos idiotas funcionais de vistas curtas serve da melhor maneira o objectivo de arruinar o capitalismo. Contava-se ironicamente acerca da monarquia K.u.K. (1) que o inimigo teria proibido os seus soldados de atirarem sobre os oficiais K.u.K. Talvez a crítica radical do capitalismo deva saudar com idêntica ironia as ideias elitistas da classe político-económica alemã-federal. Vendo bem, o governo vermelho-verde e até a respectiva oposição representam já o surgimento desta "elite" à Dr. Eisenbart (2).
Notas da tradutora:
(1) Monarquia K.u.K. (de Kaiserin und Kaiser, imperatriz e imperador, a partir da dupla Elisabeth/Sissi e Francisco José), refere-se ao império dos Habsburgos, 1848/1918, aqui como paradigma da decadência. Tal como em português, em alemão também há homofonia com cuco (Kuckuck).
(2) Médico alemão que viveu entre 1663 e 1727, cuja figura é explorada no turismo e no folclore como protótipo da charlatanice. Eisenbart quer dizer literalmente barba de ferro.
Original alemão "Notstand für alle bei der Bildung em Neues Deutschland", 09.01.2004
Tradução de Ana Moura
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