Fui professor e convivi com Serra e Dilma. Sei que ambos são bons economistas e têm agilidade intelectual. Assisti atentamente ao debate dos candidatos na TV Bandeirantes e na Rede TV!, e quero manifestar surpresas incômodas.
Na Bandeirantes, não houve nenhuma referência a respeito da crise mundial. A economia americana está debilitada, na Europa o euro não garante firmeza, o Japão continua em crise, e até mesmo falam de alguns sérios problemas na China. Tampouco se falou da futura política brasileira ante a crise. Talvez faça parte do inconsciente dos candidatos o Brasil ser uma ilha de tranquilidade e vacinado contra crises externas; talvez achem que o Brasil é e será "celeiro do mundo" em grãos e proteínas e, de forma confessada por Dilma, exportador de petróleo cru para se preparar para a futura tecnologia de baixo consumo de carbono. Serra, nos debates, não se pronunciou sobre o assunto, a não ser afirmando que fortalecerá a Petrobras. Neste assunto, estou com Lula, que afirmou que o Brasil não será exportador de petróleo cru.
Foi espantosa a ausência, nos dois debates, de temas da indústria e da industrialização. Cerca de 80% da população brasileira é urbana e é impossível gerar empregos sem elevar a taxa de industrialização. Não se sabe o que pensam os candidatos.
Ouvi promessas e sugestões magníficas que pecavam, quase sempre, pela ausência de qualquer diagnóstico e não faziam a menor referência de como seriam financiadas. Na verdade, nenhum dos dois economistas presidenciáveis falou qualquer coisa sobre a política econômica. Deduzi da candidata Dilma a perfeita continuidade da política econômica atual, com o Banco Central independente e a combinação de juros primários elevados e valorização do real.
Não sei por que nenhum dos dois falou que 25% do PIB brasileiro é equivalente ao estoque de investimento estrangeiro externo (Índia 13% e China 10%). Não se sabe de onde virão os recursos para os investimentos públicos em infraestrutura e a retomada firme dos investimentos produtivos privados. Os candidatos mantiveram esta questão como mistério.
Somente para manter as reservas internacionais, gera-se um custo de US$27 bilhões (isto é o que o Brasil perde, entre a diferença dos juros que o BC paga pelos Títulos de Dívida Pública e o que o mesmo BC arrecada investindo as reservas no exterior).
Nada foi dito sobre o espantoso endividamento das famílias brasileiras com compras que podem chegar a 90 prestações, sem entrada (automóveis). A inadimplência dos consumidores em setembro foi a maior da década.
Para gerar empregos e elevar a renda familiar é necessário aumentar a taxa de investimento em relação ao PIB. Hoje está em 18%, quando para crescer 5% ao ano necessitaria estar situada em 22%-23%. O investimento público teria de ser triplicado.
Os candidatos, em vez de debaterem o financiamento do desenvolvimento de uma civilização brasileira, preferiram um confuso debate sobre privatização. O aparelho celular foi exaltado como vitória da privatização. Os apagões elétricos e a tarifa de energia domiciliar hiperelevada não apareceram como erros brutais na privatização da energia. O atual governo não reverteu o quadro e introduziu a opção crescente da termoeletricidade, poluente e não sustentável. O debate sobre a privatização ocupou um tempo precioso.
O melhor momento do debate da Rede TV! aconteceu com as falas finais dos candidatos. Pensei que iam explicitar um projeto para o Brasil. Porém, da mesma forma que não se falou da indústria, nada foi dito sobre nação, palavra que parece ter sido extirpada do vocabulário político brasileiro.
A coligação dos partidos impõe uma definição clara dos candidatos quanto ao projeto nacional. Gosto e defendo a prioridade de um esforço educacional. Porém, sem o dinamismo da geração de emprego e renda, o Brasil passará a ser um país exportador de mão de obra: hoje já são quase 3,3 milhões de emigrantes. Um projeto nacional é indispensável para elevar a esperança e a confiança no futuro da nação brasileira.
CARLOS LESSA é economista.
Fonte: jornal O Globo, 21 de outubro.
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